quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Faces Ocultas vs. caso Dreyfus


É óbvio, no mínimo, que este caso veio revelar teias de interesse muito duvidosas - senão deploráveis e inaceitáveis - envolvendo empresas públicas ou de actividade directamente relacionada com decisões públicas. Embora não tenha muitas dúvidas que essas, bem como outras teias desconhecidas têm permeado vários governos, partidos e interesses, é no entanto extremamente negativo que um Estado de Direito (Parlamento...) se permita ainda não se preocupar suficientemente em aplicar formas de transparência e controlo que evitem, ou sancionem seriamente, tais redes de interesses.


É também muito negativo - e este caso pode ser reflexo indirecto disso - que se tenham ainda recentemente restringido os recursos de investigação sobre a criminalidade complexa (pública, privada ou mista).

Sobre Sócrates, e em especial depois da notícia do Correio da Manhã de 7 de Novembro, sendo embora plausível discutir da (i)legalidade das escutas e da (in)justiça na sua ocultação, bem como absolutamente inevitável não reflectir sobre mais um acto radical de violação de Segredo de Justiça, pairam porém dúvidas não desprezáveis.

É difícil imaginar pior situação: o que pode um PM esclarecer que não ajude a fomentar ainda mais suspeição? Como evitar o erro de Cavaco e, ao mesmo tempo, esclarecer de facto? É isso possível?

Por um lado, se Sócrates quiser esclarecer, correrá sempre o risco que se afirme que afinal sempre havia matéria passível de esclarecimento, ou que não esclareceu tudo, ou que ocultou ainda isto e aquilo, e isso será visto (também) como cedência política, para além de prolongar a novela, tenha ela fundamento ou não.

Por outro lado, se não se explica, deixar-se-ão talvez sem resposta interrogações de monta na atmosfera.

Haverá solução? Deve o caso ser unicamente deixado no campo da Justiça quando essa já perdeu (quase) toda a confiança da população?

Divulgar-se o teor das escutas, e averiguar da justeza de toda a tempestade de insinuações sem (aparente) fundamento, poderá ser solução?

Será politicamente viável? Como fazê-lo sem passar um atestado de óbito ao sistema Judicial?

Sobretudo, não se percebe muito bem o porquê do impasse sobre o caso durante 3 ou 4 meses.

Porque terão ficado certidões sem menção na PGR? Por se recearem consequências políticas sobre a instituição caso tudo viesse a lume antes de eleições, ou por alguém querer guardar uma espécie de "reserva de acção" para um período pós-eleitoral do género que vivemos?

Esta mania tão portuguesa de centrar todas as "culpas" no PM - seja qual for o PM - e desleixar a observância de responsabilidades e deveres de outros órgãos do Estado de Direito (cujo funcionamento independente é tão importante e critíco) só pode ser, ainda, um reflexo da ditadura, em que realmente todo o poder estava essencialmente nas mãos de um só indivíduo.

A divulgar-se o teor das escutas, e a provar-se a sua ilegalidade e/ou inocuidade legal potencial - uma linha de acção não isenta de riscos - deviam (devem, em todo o caso) ser tomadas providências legislativas, legais e técnicas, que impeçam futuros casos de contornos semelhantes:

a) Ao nível da segurança das comunicações dos órgãos de soberania (todos os órgãos de soberania, para evitar de vez novelas de "escutas", "contra-escutas", "diz-se que disse");

b) Ao nível do controlo, sobre quem pode escutar quem, quando e por ordem de que orgão(s);

c) Ao nível da salvaguarda do Segredo de Justiça e sobre quando pode, ou não, ser aplicável a sua abertura e inspecção por motivos legítimos, ou por motivos excepcionalmente legítimos;

d) Ao nível técnico-processual que envolve a manipulação de Segredos de Justiça (i.e. ou acabar parcialmente com o Segredo de Justiça, ou matar tecnicamente a hipótese da sua violação sistemática);

e) Ao nível da melhor separação do que se considere esfera privada, pública, em Segredo de Justiça ou em Segredo de Estado (matérias confundidas nesta questão de escutas "passivas" ao PM);

f) Ao nível da clarificação mais exacta do papel e das responsabilidades de órgãos como o STJ e PGR.

Aquilo a que continuamos a assistir é por enquanto fumo sobre fumo, que a vários atinge directamente e sobre muitos lança suspeitas (de ambos os lados da contenda).

É um caldo indesejável e demasiado perigoso para a Democracia.

Notícia do Correio da Manhã:

http://www.correiomanha.pt/noticia.aspx?channelid=00000181-0000-0000-0000-000000000181&contentid=76DDEBAC-EFFF-4685-A132-93B9A0D4445D

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