Um país em que um gestor de habilitações médias entra aos 32 anos de idade para o conselho de administração duma das maiores empresas auferindo milhões ao ano, deve ser um país de oportunidades interessantíssimas, um belo país... um país com futuro!
Façam o favor de contar o número de empresas sediadas em Portugal, e o número de administradores (não familiares) a integrar os respectivos conselhos de administração aos 32 ou 33 anos de idade...
Há para mim, de toda esta novela, algumas coisas importantes a reter.
A primeira, bastante infeliz, é a de que a igualdade de oportunidades ainda não é sequer uma meta; mais grave, existe uma incoerência grave - vd. gozo - entre os factos e o discurso político.
A segunda é a obscenidade pura - com a respectiva complacência dos órgãos sociais da empresa e dos sindicatos - que remunerações absurdas, perfeitamente injustificáveis, evoca.
A terceira, é a de que Rui Pedro Soares se arrisca a ser comparado com os que encaixam no papel de "homens de mão", a quem se entrega frequentemente um cargo mais por lealdade cega ou provincianismo inerte, do que por qualquer outra competência ou rasgo especialmente relevantes.
Vários meios noticiaram que o senhor em questão auferia entre 2,3 a 2,5 milhões de euros anuais; isso ainda não foi desmentido publicamente, pelo que dou a informação como boa.
Por outras palavras, ganhava na PT, num único ano, o mesmo que um trabalhador pode realizar se ganhar o salário mínimo nacional apenas ao longo de 345 a 375 anos de trabalho. Num único dia, o senhor ganhava o valor do salário mínimo nacional de um ano inteiro.
E o pior, aquilo que é terrível, é que o problema da desproporção salarial topo-base em Portugal (das maiores na Europa) ultrapassa largamente o caso isolado de Rui Pedro Soares, a esfera das empresas públicas, de participações públicas, ou até os bancos onde temos assistido ao que se sabe...
Quantos gestores ou administradores no país estão ao mesmo nível remuneratório (seis zeros à direita)? Não serão tão poucos como isso... Estamos perante assimetrias exageradíssimas, e numa maioria de vezes totalmente irracionais.
Um gestor é o responsável máximo da produtividade numa organização; se essa é baixa, ou mesmo apenas mediana, não há absolutamente nada que justifique vencimentos "olímpicos" - nem sequer a mentira evidente da remuneração "de mercado" do mérito, que a direita frequentemente contrapõe para explicar este tipo de fenómenos (que mérito?).
Os ganhos estratoesféricos deste tipo de senhores são escandalosos não apenas porque vivemos num território onde mais de 300.000 idosos vivem ainda indignamente, ou onde cerca de 2.000.000 de pessoas vive perto ou abaixo do limiar de pobreza - incluíndo nessas muitas que trabalham -, mas também porque não têm sustentação racional: por genial que tenha sido o percurso de Rui Pedro Soares, por hipótese, gostaria de saber como, do fruto do seu trabalho, alguma vez se geraram lucros para a PT acima do seu vencimento... de um único ano.
É impossível que alguém lúcido ignore estes factos, sobretudo na época que vivemos e atravessamos.
Não é preciso, como é evidente, proibir remunerações claramente desmesuradas; mas é absolutamente necessário que se exerça sobre elas uma fiscalidade adequada à realidade nacional.
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