O pânico relativo ao risco da dívida portuguesa e espanhola é já uma evidência incontornável.
Está por toda a imprensa anglo-saxónica e mesmo já muito para lá dela, atingiu fortemente as bolsas e não tardará a afectar em alta o serviço de dívida corrente dos portugueses.
Olhando ao lado positivo do assunto, trata-se de um aviso que os Gregos não tiveram o luxo de ter.
A reacção possível tem duas ou três vias muito estreitas:
a) A Internacional: a concertação de esforços na política externa para antecipar uma regulação dos meios financeiros que viabilize coisas como a convergência do regime de IRC sobre os bancos, o controlo e integração na economia social dos off-shore, compensações fiscais no núcleo do Euro que mitigem a vulnerabilidade a choques deste tipo nas economias do sul, impossibilidade de fugas ao fisco em holdings e similares com lucros bilionários, e por aí adiante... Algo parecido, só será possível mediante a intervenção política da UE, portanto a forma de a motivar é formar uma frente de pressão que inclua portugueses, espanhóis, gregos, irlandeses, italianos, romenos, búlgaros e austríacos, pelo menos. Vai levar tempo, por isso a concertação tem de ser rápida e muito forte. O objectivo será corrigir os problemas estruturais induzidos pelo Euro e pela actual desarmonia fiscal entre as diversas economias europeias. So:"Speak softly and carry a big stick";
b) A Racionalização da A.P.:é inevitável a imediata racionalização financeira de toda a administração pública, sector público e empresas públicas, no sentido da maior eficiência possível e do mínimo desperdício. Todos os absurdos relativos a regalias, pensões, e privilégios deve terminar;
c) Criar Esprit de Corps no país: Implementar medidas para-proteccionistas temporárias e de excepção - em conjunto com os outros países mais afectados - senão oficiais pelo menos oficiosas, administrativas se for necessário, para proteger a indústria, os serviços, e o emprego nacionais, sobretudo se a UE "demorar a entender" o que tem a fazer no sentido duma união política e fiscal mais equilíbrada. Este é o momento para agir concertada e duramente, porque a UE tem muito a perder se algo correr mal com todo o seu flanco sul.
Será inevitável que tenhamos de assistir a mais algumas privatizações e vendas de ouro e/ou de património do estado no sentido de, no espaço de um a dois anos, reduzir a dívida pública e o seu respectivo serviço tendencialmente mais caro nas condições actuais.
São vias complicadas e politicamente incorrectas já que colidem, precisamente, com os interesses locais - e alguns interesses externos - que têm ditado muitas das políticas em curso, implementadas ao longo dos anos pelos dois príncipais lados da bancada política. Mas é fazer o que tem de ser feito - e não faltará o apoio da opinião pública se for feito no respeito à verdade da situação. De resto, a situação actual é o incentivo óptimo a uma mudança de paradigma.
A quarta opção - a "via fácil" - de fazer pagar a crise através das classes médias, subindo significativamente os impostos, ou reduzindo os salários daqueles com menor responsabilidade na criação do actual estado de coisas, não irá funcionar. Ainda que fosse a melhor opção técnica - que penso não ser - não seria a melhor opção política, certamente.
Teoricamente, os salários têm de descer quando é impossível um ajuste cambial que reponha a competitividade e exportações da economia de uma nação, ou na perspectiva de inflação descontrolada.
Mas a nossa situação actual não pressupõe inflação, bem ao contrário (no quadro do Euro). Por outro lado, não creio que uma descida de salários tornasse o todo da economia portuguesa muito mais competitivo ou sustentável.
Eis porquê:
- Muitas das maiores empresas nacionais - as que mais contribuem para o PIB - têm os seus negócios centrados em Portugal; uma descida do rendimento disponível sobre a maioria dos portugueses ditaria de igual forma uma quebra imediata dos seus volumes de negócio.
- As grandes empresas portuguesas mais internacionalizadas benefíciariam igualmente pouco, porque já atingiram um grau de produtividade e eficiência que não depende primordialmente dos salários.
- As PMEs, grosso da coluna, benefíciariam ainda menos, porque não possuem, na sua maioria, nem o know-how, nem o capital humano, nem a dimensão, nem a solidez financeira, para exportarem sustentavelmente muito mais do que aquilo que conseguem hoje (além do mais a maioria das PMEs não realiza exportações, temo).
- A indústria alimentar nacional, por seu turno, entre PMEs e empresas maiores - um bastião importante na economia nacional - seria completamente espremida no mercado interno, e isto porque os seus maiores clientes - os grupos retalhistas - fariam provavelmente aumentar ainda mais a dependência do mercado das suas marcas próprias, mais baratas (e parte delas já importadas...) - um recurso que temos visto acontecer em todos os mercados onde a concorrência é elevada e o consumo cai, com consequências nefastas.
- A descida do rendimento disponível das classes médias faria reduzir as já mínimas taxas de poupança nacionais (das mais baixas na Europa), i.e. agravaria ainda mais a dependência do país em relação ao financiamento externo para investimento, crédito ou cobertura de défices correntes.
A redução dos salários causaria também um clima de comoção social mais agravado, fazendo aumentar a criminalidade e a violência, entupindo um já moribundo sistema judicial com todo o tipo de quezílias, instaurando a crise política permanente e o tipo de imagem internacional que procuramos evitar...
Um tal caminho, aumentaria as probabilidades da crise resultante desembocar na saída do Euro - provavelmente sem retorno - arrastando isso eventualmente toda a espécie de conflitos políticos internos de natureza extremista, porventura até anti-Europa.
Dum ponto de vista económico, essa opção traria ainda com alguma probabilidade dois outros monstros: numa primeira fase um incremento brutal da dívida externa e pública, e numa segunda fase uma inflação elevada, motivada pela previsível desvalorização contínua dum "novo escudo".
Em suma, acabaríamos perto do sítio onde começámos quando se iniciaram as negociações de adesão à UE: na merda.
O governo deve pois concentrar-se num pragmatismo responsável e inteligente, e não em crises políticas menores ou "vias fáceis", na esperança vã de eleições antecipadas favoráveis...
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