Um dos sinais codificados que esta crise nos transmite é a de que se pode ter iniciado por um acumular de ausência de raciocínio crítico: elevou-se ao longo de 25 ou 30 anos o neoliberalismo à categoria de ciência exacta, sobretudo nos media económicos e entre alguns homens de negócios, com o visto tácito de muitos políticos.
Talvez uma parte dessa aceitação fosse inevitável, porque todo o mundo foi nessa direcção, mas foi-se longe demais, e nalguns aspectos continua a persistir-se no mesmo erro. Por vezes, fanaticamente.
Sempre que uma tese relativa se arroga de "ciência exacta", a humanidade depara-se com graves consequências. Olhemos a história que tantos exemplos contém.
Mas, se em termos práticos não temos sido dos países mais afectados (até ver...), talvez em virtude da nossa pequena dimensão, relativo conservadorismo, e algum distânciamento da inovação financeira mais feroz, em termos culturais mergulhámos em crise ainda mais profunda do que os nossos primos anglo-saxónicos.
A nossa tradição de país de "brandos costumes" diz-me que esperaremos provavelmente que esses países, onde a crise começou, tomem as suas medidas e alterem as suas regulações, até que tomemos posição alargada sobre a matéria (o que equivale a mais uma desistência de pensar).
A Europa, ultimamente, também não anda longe desta triste figura.
A questão é esta: por cultura os estados anglo-saxónicos respeitam a lei acima de qualquer outra coisa (lembrem-se que mesmo no tempo de Henrique VIII existia a preocupação de forjar acusações sobre as suas esposas sobre as quais a justiça do reino pudesse decidir pela morte; à época os italianos optavam pelo assassinato, pura e simplesmente).
Nós latinos, particularmente os portugueses, respeitamos a convivência pacífica acima de tudo e recusamos ou atrasamos todos os processos que visem apurar responsabilidades individuais.
É por isso que a nossa moldura penal relativa à corrupção é uma anedota, é por isso que não temos mão pesada perante o enriquecimento ilícito, é por isso que mantemos certas pessoas, durante tanto tempo, em conselhos de Estado, deixamos burlões em liberdade demasiado tempo, quase ignoramos a gestão danosa, etc, etc, etc...
Não me admiraria que durante esta crise os anglo-saxónicos acabem por ser os primeiros a corrigir tiro, a exorcizar os problemas estruturais que deram origem a isto. Enquanto nós poderemos correr o risco, tal como os maus alunos que copiam, de vir eventualmente a acertar também, mas sem que seja por nossa verdadeira iniciativa, antes por arrasto da corrente.
Temos pouco peso na arena internacional, certo; mas isso não nos tem que impedir a que debatamos as nossas próprias ideias e opções, porque neste último caso, quando se derem os ajustamentos legais devidos, estaremos mais preparados e menos sujeitos à trapaça dos juristas com interesses privados e às armadilhas do "copy-paste".
O pior de tudo para o futuro seria sair disto como entrámos: sem ter nenhuma noção de nada, de como ou porquê.
Genial
Há 8 horas
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