sexta-feira, 26 de junho de 2009

Sócrates: erros, virtudes e vitórias.


Sócrates tem os seus defeitos... É demasiado coloquial e sobranceiro em quase todas as entrevistas ou comentários públicos que faz, dando azo a que se lhe coloque demasiado facilmente o rótulo de arrogante. Tem sido precipitado nalguns anúncios públicos perigosamente identificáveis como propaganda. Mostra segurança de oratória em quase todos os discursos políticos, o que é motivo de inveja para os seus adversários. Tem sido relativamente coerente ao longo do seu mandato, o que irrita a sua principal oposição. É determinado, o que se confunde com obstinação (de que não carece...). Não cede perante ataques de carácter, o que o torna alvo cada vez mais apetecível. É irritável e por vezes irrascível (como qualquer outro latino). Tem vontade de mudar efectivamente o país para melhor, o que confunde uma cultura social velha de 800 anos...
Sócrates cometeu erros de governação, alguns com gravidade. Defendeu teimosamente uma reforma da Educação, a partir de certo momento sobrepondo o valor da soberania do Ministério da Educação à sua justeza de acção (deveria ter começado por reformar o próprio Ministério). Teimou numa reforma da Justiça que não a tem tornado nem mais célere nem mais justa (o que deveria ter presido como principal objectivo). Não tem sabido contrariar o crescendo de criminalidade com a devida eficácia, o que pode ter consequências muito difíceis de reverter no futuro (deveria reconhecer as evidências para além das estatísticas). Em nome da racionalização de meios, deixou que se extinguissem serviços de Saúde essenciais sem que as alternativas estivessem montadas (emendou a mão apenas parcialmente, e já tarde). Em nome da manutenção de expectativas recusou reconhecer a face da crise a tempo, ou pelo menos em Setembro de 2008 (deveria ter sido mais verdadeiro e directo em tempo útil). Foi talvez complacente ao não lutar mais claramente pela atracção de investimentos externos em antecipação à crise "sub-prime". Encetou, ou tentou encetar, uma resposta pública à crise talvez demasiado diversificada e intermediarizada pelo Estado (cedeu à forma, penalizando a eficácia das medidas). Não foi suficiente na redução da despesa pública nem foi suficientemente claro nos critérios de intervenção na economia real pós-crise (deixou que a situação continuasse a dominar)...
No entanto, Sócrates tem demonstrado virtudes evidentes e conseguido sucessos respeitáveis. Conseguiu - ou continuou - um trabalho conducente a uma eficência notável da máquina fiscal (essencial a qualquer Estado de Direito moderno). Foi bem sucedido na liderança efectiva do seu Governo e dos seus Ministros (coisa rara...). É determinado mas não abdicou de se rodear de pessoas competentes (o que demonstra inteligência, maturidade e preparação para a coisa pública). Re-introduziu uma linha mais clara de orientação para o país, sem deixar de reconhecer a necessidade de manter o Estado Social, e rejeitou a forma populista de estar na política (que caracterizou boa parte do Executivo anterior durante anos, e que poderia ter facilmente adoptado). Introduziu o precedente sistemático de revalorizar o debate Parlamentar (debates quinzenais). Mesmo em momentos de forte pressão, soube evidenciar quase sempre um sentido de direcção claro (embora por vezes discutível), uma forte determinação (comum nos líderes de grande gabarito, mas ainda raro em Portugal). Desejou e trabalhou para um Estado mais racionalizado, mais coerente, e mais respeitado (o que é importante para uma nação que se preze). Tem apoiado clara e inequivocamente a Ciência, e defendido a formação ao longo da vida (faltando porém fazer o mesmo com a Cultura, incluindo as Ciências Sociais). Mostrou vontade de reduzir a despesa pública sem desmantelar o Estado Social (uma tarefa nada fácil e que chegou a conseguir antes da crise internacional estalar). Teve uma acção mais rigorosa relativamente aos subsídios de desemprego (que a Direita teria muito simplesmente eliminado). Contribuiu para agilizar as leis do trabalho (uma ferramenta importante para enfrentar situações como as que vivemos). Mostrou vontade de introduzir maior disciplina e rigor na inspecção às actividades económicas, antecipando-se neste caso à relevância maior da regulação de mercado, hoje necessidade tão evidente (muito embora pecando por vezes por exagero nalgumas áreas e por defeito noutras). Conseguiu eliminar a base de constantes ataques à própria existência da Segurança Social, por via da sua racionalização. Deu passos decisivos e mais coerentes para modernizar as forças armadas (ainda que apenas recentemente tenha começado a dar mais valor ao reconhecimento público da sua dignidade). Colocou em marcha reformas importantes de organização da Administração Pública (que a oposição tenta ignorar, mas sabe terem sido correctas na sua maioria). Agilizou a criação de empresas (embora não tenha desligado o "taxímetro" em relação às PMEs, como seria desejável). Tem investido mais seriamente na informatização da Administração Pública e mesmo da sociedade civil. Tem dado passos para unificar e modernizar as Polícias (ainda que com precalços pelo meio). Mostrou vontade para iniciar o processo de reforma estatutária das Universidades, no sentido da sua modernização e maior independência do erário público (como nenhum outro Governo antes o tentou). Tem contribuido para criar condições favoráveis à efectida paridade de género. É a favor da convergência para a igualdade de oportunidades em detrimento duma sociedade de oportunidades meramente hereditárias. Contribuiu para melhorar a articulação e os meios relacionados com a Protecção Civil (combate a fogos credível e início de preparação consequente para situações de ocorrência sísmica grave). Baseia-se numa concepção estruturada para o País, e mostra pelo menos vontade de agir e transformar (ainda que em demasiadas áreas ao mesmo tempo). Conseguiu contribuir para evitar o que facilmente poderia ter resvalado para uma crise bancária muito grave. Não sendo "puro", também não cede a meros interesses corporativos ou económicos com demasiada facilidade. Falhou na reforma da Educação - avaliação - mas acertou no iniciar do processo e nalguns dos objectivos a atingir. Não aposta nem no medo, nem no regresso ao passado, nem no imobilismo de situação (ao contrário da principal oposição). Não é de modas, nem se limita a dizer o que "pertence".
Atendendo à situação do País quando lhe pegou, e tendo em conta as surpresas internas e sobretudo externas que lhe têm dificultado a tarefa, há que lhe reconhecer uma grande capacidade para a condução da coisa pública.
Pura e simplesmente, não me parece existir alternativa melhor.

PSD: Vitória de Pirro nas Europeias


Demorei algum tempo a anotar algo sobre os resultados portugueses das mais recentes eleições para o Parlamento Europeu, em parte porque julgo ter sido mais merecedora de nota a vitória da direita à escala Europeia.
Tenho para mim que os resultados na Europa podem ter resultado da falta de reflexão e conhecimento dos cidadãos das raízes políticas desta enorme crise do (neo)liberalismo.
Desconhecedores das origens da coisa, a maioria dos cidadãos - muitos deles bem desligados do debate e das ideias políticas contemporâneas - terão optado por castigar o centro social-democrata mais à mão, e procurar refúgio alternativo nos contra-poderes do momento, ora muito à esquerda ora demasiado à direita, com isso abrindo uma brecha à continuidade efectiva da direita à frente dos destinos da Comissão Europeia.
O resultado destas eleições oferece mais evidências de que a Europa segue efectivamente com atraso o que acontece nos EUA, mas agora com mais do que um mandato de atraso. Não esqueçamos que são as pessoas da "Cimeira das Lajes", já banidas do poder nos EUA, que ficarão à frente da coisa máxima Europeia, durante uma época turbulenta que é crítica à sua continuidade de projecto.
Não esqueçamos também que ao centro-esquerda por essa Europa fora ainda não se vislumbram quaisquer personagens à altura sequer do cão de água português de Obama.
Em Portugal, quem votou refugiou-se igualmente nas margens e puniu duramente o Executivo.
Estranho é que o PSD veja na sua escassa vantagem, perante uma abstenção diluviana, a legitimidade suficiente para colocar o Governo em cheque ou, sobretudo e mais tristemente, para alentar sequiosamente uma nova onda de arrogância populista que já se vai fazendo sentir.
É preciso que o PSD se lembre que, apesar de tudo e ao contrário do que sucedeu na Europa, a esquerda ganhou em Portugal por uma larga margem, o que representa um veto efectivo à maioria das teses (neo)liberais na forma tentada do PSD.
Seria sensato que o PSD reconhecesse que agora que o Executivo foi castigado, é possível que o voto útil à esquerda se venha a reforçar, pelo menos nas legislativas. E seria de esperar, portanto, muito mais bom senso do que a continuidade da novela politiqueira de fraca qualidade a que temos vindo a assistir, apesar dos erros do PS e do Governo.
É absolutamente lamentável que o PSD não só se recuse a apresentar um programa governativo claro aos portugueses - sinal de que navega à vista - como sobretudo se defina apenas e somente pela negativa, pela demolição "dos outros".
Em pouco ou nada do que vai propondo o PSD se sente um rumo claro, uma coerência de pensamento capaz de gerar uma governação capaz e com propósito; em quase nada do que diz se sente ânimo, alento, superação, fé na capacidade dos portugueses, alegria de viver, positivismo, vontade de construir e de desenvolver...
A propagação do medo, a perseguição a pessoas e instituições, a obcessão na crítica a acções isoladas ou meras declarações desta ou daquela personagem, os valores "ocos", eis a prática da sua doutrina que nos é oferecida diariamente.
É certo que comparando com as Europeias de 2004 o PS, ao perder cerca de 600.000 votos foi sem dúvida castigado, mas o PSD ganhou zero votos (teve mais 171 votos do que nas Europeias de 2004, para ser rigoroso), e isso representa igualmente - a meu ver - uma derrota enorme, porque seria de esperar mais daquilo que se apresenta como a pricipal alternativa de poder.
Por outro lado, a diferença efectiva entre os dois maiores partidos foi inferior a 183.000 votos, o que não deveria permitir ao PSD, em boa verdade, sentir-se avalizado pela nação para travar a legitimidade de um Governo eleito por quase mais 1.000.000 de votos do que o PSD (em 2005).
Será portanto apenas sensato, à luz dos factos, que o PSD se remeta ao seu devido lugar.
Ganhou as Europeias, é certo, mas conseguiu apenas uma vitória de Pirro.

terça-feira, 16 de junho de 2009

Inquérito ao Banco de Portugal


A Assembleia da República também tem o dever de esclarecer o seguinte:

1) Possuía, tanto sobre o caso BPN como sobre o caso BPP, ou possuiu em algum momento, o Banco de Portugal evidências claras das malfeitorias em curso nessas instituições?
2) Em caso afirmativo (possuía provas ou perto disso), quais? Em que momento? Nesse caso, tratavam-se de provas inequívocas, indícios, ou apenas dúvidas não cabalmente fundamentadas?
3) À luz da lei e dos estatutos do Banco de Portugal, o que deveria ter sido a acção óptima do Governador, em face das evidências disponíveis?
4) Em caso negativo (existência de indícios desconexos ou dúvidas não cabalmente fundamentadas), que recursos legais e instrumentos existiam à data à disposição do Banco de Portugal para a acção no sentido da defesa do interesse público?
5) À luz dos pontos anteriores, em que se baseia concretamente o pedido insistente de demissão do Governador avançado por alguns deputados? À luz dos factos e das provas materiais e testemunhos recolhidos, quais foram as graves falhas de Vítor Constâncio, em concreto?
6) O Banco de Portugal, no caso de dispôr de dúvidas não fundamentadas ou pouco mais, tinha todos os meios e recursos para a investigação e fiscalização que lhe competia aprofundar? Realizou-a? Se realizou, terá falhado por falta de conclusividade objectiva ou por omissão? Por alguma suposta conveniência ou por manifesta impossibilidade no apuramento dos factos necessários à acção? Não terá agido mais cedo por clara inércia ou por insuficiente falta de visão sobre a realidade?
7) Finalmente, o que propõe a Assembleia como linhas de orientação para uma supervisão corrigida, com mais ou melhores poderes e meios de fiscalização e penalização, no futuro?

O reputado "trabalho" da Assembleia também tem de passar pelo crivo da sua própria honestidade intelectual e sobretudo do seu compromisso de não instrumentalização política de meros indícios para a chicana política, a perseguição pessoal ou o insulto gratuito a pessoas e instituições nacionais soberanas.

Outra coisa que não isso será mero populismo e pura irresponsabilidade.

No mínimo, tem também de se perguntar porque é que alguns dos membros da Assembleia da República já exigiam a demissão de Constâncio, ainda antes dos trabalhos de fiscalização à sua acção terem começado? O que "sabem" esses deputados de tão factual e importante que não possam muito claramente dizer? Ou será que apenas supõem indevidamente?

Ronaldo, os 93 milhões, e o Presidente


Numa recente declaração foi perceptível a estranheza do nosso Presidente relativamente à galáctica soma paga pelos espanhóis a troco de Ronaldo.

Pode ser que o intuito tenha sido o de alguma réstia de solidariedade para com a estupefacção dos mais de 250.000 portugueses que ainda ganham o salário mínimo, ou de quase todos os outros, desempregados incluídos. Pode ser. Mas é uma estranha forma de se ser solidário...

Porque não fala o presidente mais vezes das enormes e injustificáveis diferenças de compensações entre alguns todo-poderosos directores-gerais e presidentes de empresa e os seus colaboradores?

Falou nisso uma vez, que me lembre (e bem!), mas para não mais voltar ao tema (muito mal!), porque ousou fazer ruborizar uma boa parte da direita à moda antiga. Chama-se a isso a técnica "Boi para Piranha": sacrifica-se uma vaca às piranhas, para fazer passar a vau toda a manada em claro...

Porque é que quando se fala nesse assunto tabu vêm logo alguns dizer que se trata de "inveja social" ou "do mercado a funcionar" (recusando questionar porque têm de ser tão caros gestores que arrastaram, e continuam a arrastar nalguns casos, empresas para o cadafalso), sendo parte desses tantos os mesmos que vêem com tanta indignação a dita transferência multimilionária?

A explicação é só uma: alguns mamões do costume sentem-se indignados por haver quem, na sua torta escala social estando muito mais abaixo, consiga arrebanhar mais do que eles próprios.

Então o mercado não pode funcionar para o Ronaldo? Ó Senhor Presidente... sinceramente!

Sinto (quase) mais orgulho em que tenha sido um português a alcançar uma das mais caras, ou a mais cara, transferência do mundo, do que ter quem temos à frente dos destinos da Comissão Europeia. É que o primeiro conseguiu-o por mérito (goste-se ou não do seu estilo de vida e personalidade) e o segundo mais por conveniência e docilidade de carácter; o primeiro sempre vai marcando golos bonitos de se ver...

Para além disso suponho que Ronaldo deposite no BES, mas quanto a Barroso... who knows?

Em suma, o que é que um Presidente da República tem de se pronunciar publicamente sobre a transferência de um jogador português - por acaso até depositante da República a que o Senhor preside - acordada entre dois clubes privados?

quarta-feira, 10 de junho de 2009

A Derrota

Em contra-mão à época de esperança que se vive além-mar, nos EUA, e sobretudo depois de 8 maus anos de influência Bush no mundo, e do desastre económico neoliberal, eis que a Europa não-abstencionista se resigna estranhamente à direita.

Será que se trata de mais um episódio de quem segue com atraso o que se passa no novo mundo? Será esta a face da verdadeira "velha Europa"... ?

Não se pressente nesta inflexão uma maior união da Europa... a direita sempre conviveu mal com a noção do colectivo... o que me leva a pensar que isto seja mau presságio para a união política federal de que a Europa precisa. Veremos.

Esta vitória da direita é resultado de muita coisa, mas também:

1) Do desinteresse de vastas camadas de população nas suas democracias nacionais (sobretudo entre os mais jovens), o que confirma uma crise profunda das instituições e dos poderes, percepcionados como distantes, senão mesmo initeligíveis.

2) Do realçar de certos nacionalismos por culpa da abstenção e de renovadas difusões de receios excessivos face à imigração e à abertura ao exterior, de um modo geral, propagados de forma oportunista pelas extremas-direitas, que têm tido nas crises mais profundas o seu maior aliado.

3) Do falhanço das políticas moderadas, de "centro", supostamente mais "europeístas", na antecipação e contenção mais eficaz dos efeitos da crise.

4) Da conotação política de "Bruxelas" com "burocracia", um mal erradamente percepcionado como sendo essencialmente da responsabilidade da esquerda.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Marinho Pinto 3 - "Elite" de Lisboa 0

Quem viu o "prós e contras" da RTP1 na passada madrugada do 2 de Junho concerteza não deixou de perceber que afinal a luta de Marinho Pinto na Ordem dos Advogados é apenas capaz de ser semelhante à de tantos outros portugueses que preservam algum respeito pela verdade e pela justiça, no seu combate por um Portugal menos "faz de conta" mantido por grupúsculos que ainda não se habituaram bem ao conceito de democracia.

Foi engraçado ver exposta - à força de investidas do "granito do Marão" e perante uma estranha ruborescência de sorriso amarelo - gente de tão pequena estatura e falseado carácter "urbano".

"Só se perderam as que caíram no chão", e se o estilo não foi o da música barroca do costume, tanto pior para os duros de ouvido: já vai sendo tempo de escutarem Stravinsky.

Agredir pessoas por via da desonestidade intelectual, da injúria e da intriga, da omissão e da perfídia, da espionagem ilícita da vida privada, sem outros motivos aparentes que não a ambição e a inveja, é infinitamente menos "urbano" de se ver que o mais rude granito da Serra.

Mais Marinhos Pintos era coisa capaz de ajudar a livrar o país dessa gosma a cavalo de gentio, indivíduos de valores flácidos, eternos aduladores de uma decadente e corrosiva "Pax Romana"...

Dois excertos de opinião do sempre incisivo Baptista Bastos:

"Não me parece que Marinho Pinto haja sido tocado pela desonestidade, pela indecência, pela indignidade, ou movido por interesses cavilosos. Querem-no brunido, direitinho, ajeitado, dentro da esquadria: um artesão formal da aplicação das leis e seu complacente vigilante. Ele é, definitivamente, o contrário dessa banalização precaucionista que atingiu todo o tecido social e garantiu a instauração da indiferença, do abandono cívico e, finalmente, da coisificação do medo. "

"Dizem que ele acusa sem nomear. Mas, os que dizem, nomeiam-no sem rigorosamente o acusar de coisa alguma. Convém interrogarmo-nos sobre o que nos não tem sido dito."