Sócrates tem os seus defeitos... É demasiado coloquial e sobranceiro em quase todas as entrevistas ou comentários públicos que faz, dando azo a que se lhe coloque demasiado facilmente o rótulo de arrogante. Tem sido precipitado nalguns anúncios públicos perigosamente identificáveis como propaganda. Mostra segurança de oratória em quase todos os discursos políticos, o que é motivo de inveja para os seus adversários. Tem sido relativamente coerente ao longo do seu mandato, o que irrita a sua principal oposição. É determinado, o que se confunde com obstinação (de que não carece...). Não cede perante ataques de carácter, o que o torna alvo cada vez mais apetecível. É irritável e por vezes irrascível (como qualquer outro latino). Tem vontade de mudar efectivamente o país para melhor, o que confunde uma cultura social velha de 800 anos...
Sócrates cometeu erros de governação, alguns com gravidade. Defendeu teimosamente uma reforma da Educação, a partir de certo momento sobrepondo o valor da soberania do Ministério da Educação à sua justeza de acção (deveria ter começado por reformar o próprio Ministério). Teimou numa reforma da Justiça que não a tem tornado nem mais célere nem mais justa (o que deveria ter presido como principal objectivo). Não tem sabido contrariar o crescendo de criminalidade com a devida eficácia, o que pode ter consequências muito difíceis de reverter no futuro (deveria reconhecer as evidências para além das estatísticas). Em nome da racionalização de meios, deixou que se extinguissem serviços de Saúde essenciais sem que as alternativas estivessem montadas (emendou a mão apenas parcialmente, e já tarde). Em nome da manutenção de expectativas recusou reconhecer a face da crise a tempo, ou pelo menos em Setembro de 2008 (deveria ter sido mais verdadeiro e directo em tempo útil). Foi talvez complacente ao não lutar mais claramente pela atracção de investimentos externos em antecipação à crise "sub-prime". Encetou, ou tentou encetar, uma resposta pública à crise talvez demasiado diversificada e intermediarizada pelo Estado (cedeu à forma, penalizando a eficácia das medidas). Não foi suficiente na redução da despesa pública nem foi suficientemente claro nos critérios de intervenção na economia real pós-crise (deixou que a situação continuasse a dominar)...
No entanto, Sócrates tem demonstrado virtudes evidentes e conseguido sucessos respeitáveis. Conseguiu - ou continuou - um trabalho conducente a uma eficência notável da máquina fiscal (essencial a qualquer Estado de Direito moderno). Foi bem sucedido na liderança efectiva do seu Governo e dos seus Ministros (coisa rara...). É determinado mas não abdicou de se rodear de pessoas competentes (o que demonstra inteligência, maturidade e preparação para a coisa pública). Re-introduziu uma linha mais clara de orientação para o país, sem deixar de reconhecer a necessidade de manter o Estado Social, e rejeitou a forma populista de estar na política (que caracterizou boa parte do Executivo anterior durante anos, e que poderia ter facilmente adoptado). Introduziu o precedente sistemático de revalorizar o debate Parlamentar (debates quinzenais). Mesmo em momentos de forte pressão, soube evidenciar quase sempre um sentido de direcção claro (embora por vezes discutível), uma forte determinação (comum nos líderes de grande gabarito, mas ainda raro em Portugal). Desejou e trabalhou para um Estado mais racionalizado, mais coerente, e mais respeitado (o que é importante para uma nação que se preze). Tem apoiado clara e inequivocamente a Ciência, e defendido a formação ao longo da vida (faltando porém fazer o mesmo com a Cultura, incluindo as Ciências Sociais). Mostrou vontade de reduzir a despesa pública sem desmantelar o Estado Social (uma tarefa nada fácil e que chegou a conseguir antes da crise internacional estalar). Teve uma acção mais rigorosa relativamente aos subsídios de desemprego (que a Direita teria muito simplesmente eliminado). Contribuiu para agilizar as leis do trabalho (uma ferramenta importante para enfrentar situações como as que vivemos). Mostrou vontade de introduzir maior disciplina e rigor na inspecção às actividades económicas, antecipando-se neste caso à relevância maior da regulação de mercado, hoje necessidade tão evidente (muito embora pecando por vezes por exagero nalgumas áreas e por defeito noutras). Conseguiu eliminar a base de constantes ataques à própria existência da Segurança Social, por via da sua racionalização. Deu passos decisivos e mais coerentes para modernizar as forças armadas (ainda que apenas recentemente tenha começado a dar mais valor ao reconhecimento público da sua dignidade). Colocou em marcha reformas importantes de organização da Administração Pública (que a oposição tenta ignorar, mas sabe terem sido correctas na sua maioria). Agilizou a criação de empresas (embora não tenha desligado o "taxímetro" em relação às PMEs, como seria desejável). Tem investido mais seriamente na informatização da Administração Pública e mesmo da sociedade civil. Tem dado passos para unificar e modernizar as Polícias (ainda que com precalços pelo meio). Mostrou vontade para iniciar o processo de reforma estatutária das Universidades, no sentido da sua modernização e maior independência do erário público (como nenhum outro Governo antes o tentou). Tem contribuido para criar condições favoráveis à efectida paridade de género. É a favor da convergência para a igualdade de oportunidades em detrimento duma sociedade de oportunidades meramente hereditárias. Contribuiu para melhorar a articulação e os meios relacionados com a Protecção Civil (combate a fogos credível e início de preparação consequente para situações de ocorrência sísmica grave). Baseia-se numa concepção estruturada para o País, e mostra pelo menos vontade de agir e transformar (ainda que em demasiadas áreas ao mesmo tempo). Conseguiu contribuir para evitar o que facilmente poderia ter resvalado para uma crise bancária muito grave. Não sendo "puro", também não cede a meros interesses corporativos ou económicos com demasiada facilidade. Falhou na reforma da Educação - avaliação - mas acertou no iniciar do processo e nalguns dos objectivos a atingir. Não aposta nem no medo, nem no regresso ao passado, nem no imobilismo de situação (ao contrário da principal oposição). Não é de modas, nem se limita a dizer o que "pertence".
Atendendo à situação do País quando lhe pegou, e tendo em conta as surpresas internas e sobretudo externas que lhe têm dificultado a tarefa, há que lhe reconhecer uma grande capacidade para a condução da coisa pública.
Pura e simplesmente, não me parece existir alternativa melhor.
Sem comentários:
Enviar um comentário