Num bom artigo publicado no JN, Avelino de Jesus coloca a nu a veia de propostas um tanto estranhas - mas com eco - da redução dos salários para (pasme-se) combater a crise estrutural portuguesa.
É verdade que sem moeda própria os ajustes terão de se dar de alguma forma, provavelmente mais diluídos no tempo, mas será que a produtividade portuguesa é assim tão inferior à dos outros? É que a produtividade de alguns dos países com quem nos andámos a comparar esteve profundamente afectada por produtividade "virtual" no sector financeiro.
Será que a produtividade da Europa - a da economia real - é assim tão mais baixa do que a dos EUA como apregoavam os neo-liberais ainda até há bem pouco tempo como razão que justificasse uma adesão plena da Europa ao modelo americano?
E se o país se tem de ajustar, será que esse ajuste implica necessariamente um ciclo vicioso recessivo baseado em mais diferenças sociais e mais miséria? Quem vai vender o quê nessa economia? Quem vai comprar e como?
Mesmo sem fazer estas questões Avelino de Jesus coloca bem o dedo na ferida. Ficam apenas algumas passagens do seu artigo:
"Esta é uma ideia socialmente injusta mas, sobretudo, é uma proposta economicamente absurda."
"O custo médio da hora de trabalho é em Portugal de €11/hora, contra €22,4 em média na Europa. Por sua vez, a produtividade aparente do trabalho é $27,3/hora em Portugal e $43,3 entre os nossos parceiros europeus. A produtividade representa 63% do nível médio europeu enquanto o custo do trabalho atinge apenas 49% da média da Europa; É certo que o salário médio por hora cresceu em Portugal 52,7% desde 1996, contra 38,3% na UE a 15. No entanto, este movimento deveu-se, sobretudo, ao processo de convergência de preços e não representa um verdadeiro aumento de salários reais"
E portanto:
"As causas da baixa produtividade não residem nos salários, mas nas componentes não salariais dos custos de produção e na qualidade da gestão"
"Os salários baixos são uma das causas profundas da baixa produtividade e não o contrário"
"A produtividade aparente do trabalho resulta mais da organização e opções empresariais do que da habilidade intrínseca do trabalhador. A produtividade é, acima de tudo, um problema da gestão"
Um documentário que vi há algum tempo sobre o Palácio da Vila de Sintra (estrangeiro), começava precisamente por retratar que tinha sido também pela ambição e pela inventividade comercial - e pelo respeito à Ciência - que os portugueses tinham outrora sido a maior potência mundial.
Uma provável causa da degradação e decadência do Império ao longo dos séculos após o apogeu da nação, relacionar-se-ia, na tese do documentário, com o facto de termos tido quase sempre péssimos administradores, uma regra que as poucas excepções históricas não foram suficientes para alterar o curso da história.
Ainda hoja, a gestão Lusa continua sobretudo a contar com expedientes e variantes pós-modernas da "árvore das patacas", sem muito respeito pelo longo prazo, e ainda menos pela inovação séria de base, quanto mais visões estratégicas coerentes e sustentáveis.
Não queria ser pessimista, mas sinto o mesmo que o articulista em apreço do JN:
"Infelizmente, sendo demasiados os que pensam e agem apoiando-se no diagnóstico errado, poderão aproximar-se ainda piores tempos para os salários e a produtividade em Portugal."
E o pior é que dos economistas que defendem esta opção algo tola, provavelmente nenhum se apoia em dados comparativos fiáveis e que resistam a uma análise mais séria e profunda.
O problema pode ser a falta de formação científica, mas pode também ser de pura e simples cegueira ideológica a la Greenspan, o desregulador-mor.
Genial
Há 6 horas
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