Reproduzo e interpreto esta espécie de "programa":
- "Economia. Criar condições para aumentar o emprego e para melhorar a competitividade das empresas são os nossos objectivos centrais. Recuperar a competitividade, retomar o crescimento e a convergência com o pelotão da frente da União Europeia são premissas não só para atingir aqueles objectivos, como para pôr em prática estas nossas políticas.
Nós sabemos o que significa "criar condições para aumentar o emprego"... na gíria do PSD que conheço, significará provavelmente ampliar a liberalização dos despedimentos, permitir legalmente as revisões salariais em baixa, a redução dos descontos para a segurança social, o aumento do número mínimo de horas de trabalho semanais, o provável regresso do trabalho aos Sábados, e a desoneração social diversificada das empresas.
Adivinha-se que isso não funcionará num país com um tecido social tão débil como o de Portugal. Esse caminho, na linha do neoliberalismo Americano, já provou as suas falhas com clamoroso estrondo (na Irlanda, para não irmos mais longe); num país como o nosso poderá levar facilmente ao agravamento das condições sociais, da instabilidade e do medo, o que por seu turno ocasionará o agravamento da queda da procura, do consumo e, por conseguinte, colocará ainda mais em risco a procura interna e a própria economia. Preparem-se: vamos apanhar com a saga do discurso "da tanga". E isso poderá levar à definitiva "mexicanização" do país.
Quanto à vaga intenção (velha, gasta e ouso acusar, falsa) de nos transportar ao "pelotão da frente da UE", sabemos todos, pelo menos os que ainda não sofrem de Alzheimer, que se trata de uma expressão saudosamente Cavaquista, hoje completamente alienada de viabilidade imediata, e da verdade dos factos plausíveis a que se possa propor qualquer candidatura séria, democrática, para 4 anos de governação.
- "As Questões Sociais e a Solidariedade. Aumentar a coesão social – que passa também por uma maior acessibilidade aos serviços de saúde – é fundamental, a par da necessidade imperiosa de se acudir aos problemas mais prementes da pobreza e das desigualdades. Prioritárias são as pessoas. Não nos serve um desenvolvimento que não se alicerce no bem-estar social. "
Tendo em vista a interpretação da linha de acção provável na Economia e à luz do que tem sido o discurso político de alguns responsáveis visíveis (outros ocultos...) do PSD, diria que o eixo anterior será pouco mais que uma miragem, quando não uma patetice. Mas mergulhando mais um pouco no cinismo opaco duma parte deste actual PSD, creio que "uma maior acessibilidade aos serviços de saúde" signifique tão somente reforçar uma crescente oferta de serviços privados, caros, inacessíveis à maioria da população (ainda que inicialmente e para disfarçar, talvez não), vendendo-os politicamente aos portugueses como a "complementaridade necessária" à correcção dos muitos defeitos do Serviço Nacional de Saúde que, como se adivinha, se apostarão em empobrecer alegre e discretamente.
- Justiça e Segurança. Recuperar a confiança no sistema judicial e garantir a sua eficácia é uma das metas do PSD para a próxima legislatura. Trata-se de um investimento decisivo, sob pena de todo o tecido social e económico se esboroar. A justiça é o primeiro pilar da garantia e defesa das liberdades. Na segurança é fundamental o reforço da autoridade do Estado, uma efectiva política de prevenção e a melhoria da coordenação dos meios de combate à criminalidade. Sem segurança não há liberdade.
Mais um eixo de acção e mais um enorme lugar comum. "Trata-se de um investimento decisivo", dizem estas laranjas... pois mas... qual investimento? Será um cheque em branco? Em que vão investir, exactamente? Nós sabemos, se se lembrarem, o que significa o reforço da autoridade para o PSD: por exemplo, cargas policiais com recurso ao abuso da força, como assistimos em tempos na ponte 25 de Abril, às ordens do ex-conselheiro de Estado, o caríssimo Dr. Dias Loureiro; ou, até, a polícias contra polícias, expoente significativo dos tradicionais jogos de poder à direita, que parecem recorrer invariavelmente ao dividir para reinar, mesmo no seio da própria autoridade, como nessa altura se viu.
- "Educação. A educação é a base do livre desenvolvimento da pessoa, o alicerce de todo o nosso desenvolvimento económico, social e cultural. O combate ao facilitismo e a recuperação do prestígio dos professores serão linhas mestras do nosso programa de acção."
Repare-se na subtileza: "a educação é a base do livre desenvolvimento da pessoa"; isto parte das mesmas pessoas que vêem defendendo o cheque-ensino. Leio nisto mais uma expressão da intenção oculta de privatização progressiva da Educação, escondendo-a por detrás do agora gasto slogan neoliberal da "liberdade de escolha". "Liberdade" de escolha para quem tem dinheiro, evidentemente. Já para todos os outros... ficarão o ensino de segunda e terceira categorias, assente no que restar das futuras ruínas dum moribundo Ensino Público. Nessa altura os "Exames Nacionais" poderão então voltar a distinguir "o trigo do joio" isolando os filhos da classe média - que se adivinha se pretenda extinguir progressivamente - da Universidade, como nos tempos da "outra senhora".
Como diz um amigo meu, entrámos numa época em que podemos concorrer a eleições à custa de uma qualquer imagem de seriedade desprovida de fundamento, sem qualquer ideia ou programa: "Votem em mim, eu sou sério!".
Haja vergonha.
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