segunda-feira, 8 de março de 2010

Esboços de PEC

O governo poderia ver na necessidade do PEC - também - uma rara oportunidade para corrigir algumas injustiças e irracionalidades de longa data, mas não é isso que parece vá acontecer.

Das medidas conhecidas do lado da despesa:
  • Os projectos relativos ao TGV vão ser adiados entre 2 a 4 anos. De acordo, mas aqui é atirar ao crescimento de muitas empresas que já estavam a contar com isso. Porquê esta conclusão, tão tarde?
  • Por conseguinte, o investimento público vai cair quase 1/3. Não me agrada, mas era mais ou menos inevitável face à margem de manobra do executivo, que é zero.
  • Salários da função pública congelados durante mais alguns anos - e por conseguinte, boa parte dos salários do sector privado que por eles se orientam (embora não devessem porque a produtividade tem aumentado nalguns sectores, mesmo com a crise, ou talvez por causa dela).
  • Retirada em 2011 do prolongamento dos subsídios de desemprego e dos apoios à contratação de jovens. Aqui temos uma carta fechada, e eu diria uma não-medida, porque temo que se venha a revelar inaplicável durante muitos anos. A ver vamos.
  • Tecto máximo para benefícios fiscais e deduções. Só não são afectados os rendimentos anuais inferiores a 7.250 Euros (ainda assim mais de 2,5 milhões de contribuintes)
  • Corte nas prestações sociais de 0,5%. Resta saber quais, claro. Esperemos que esta rubrica não seja uma caixa de Pandora, porque me custa a acreditar que a intenção se resuma a 0,5%...
É certo que estas serão apenas as medidas que se conhecem e parecem estar inscritas no PEC, mas se do lado da despesa for apenas isto, tenho a dizer: que desilusão!
Sou pelo ensino público, mas aproveitava o momento para despedir ou reformar pelo menos 30% dos funcionários do Ministério da Educação, e reduzir pelo menos 5% do pessoal de muitos Ministérios, sobretudo ao nível da administração central. Mais vale pagar isso agora, do que depois.
Também não percebo porque é o governo não aproveita para limitar imediatamente todas as reformas acima de 4 ou 5 mil euros mensais - e são mais que muitas - ou, pelo menos, taxá-las a 50% durante dois a três anos ou ainda, alternativamente, pagar o diferencial para a carga fiscal actual de tais pensões em títulos de dívida ou certificados de aforro de carácter obrigatório.

Ouvi ainda a possibilidade - revoltante - de passar a taxar as reformas de escalões medianos (logo a partir dos 22.500 Euros/ano) de acordo com os mesmos critérios aplicados aos rendimentos da população activa. É injusto - sobretudo face às altas reformas escondidas que grassam no sector estado que, repito, são muitas - mas também mau: pode eliminar boa parte da pequena capacidade de poupança/consumo de centenas de milhar de famílias, vai tornar mais frágeis ou atirar para a pobreza famílias de pensionistas ainda com filhos a seu cargo, e não entra em linha de conta com uma esperança média de vida e custos associados - medicamentos, por exemplo - claramente crescentes. A própria comparticipação de medicamentos será também reduzida, na linha do que já vinha a ser feito.

Medidas conhecidas do lado da receita:
  • Novo escalão de 45% para os rendimentos acima de 150.000 Euros/ano. Há muito que o defendo, mas numa altura excepcional este escalão não deveria ser menor que 48%.
  • Tributação de mais valias em bolsa. De acordo! Porque esperaram tanto tempo, dadas as circunstâncias? Deveria ser com efeitos retroactivos a 2008 e escalões proporcionais aos ganhos nominais.
  • Privatizações. De acordo, mas apenas com algumas, e de forma muito faseada. Talvez parte da TAP, serviços dos CTT, imóveis, o que resta da Galp. Não estou tão de acordo quanto à EDP e menos ainda quanto à REN. Claramente é aqui que reside uma boa parte do "bife" do plano, e parece-me que a desproporção face às outras medidas é clara, se formos a números.
Nada se propõe quanto a harmonização - tendencial que seja - do regime fiscal incidente sobre os bancos face aos demais sectores económicos, ou quanto a restrições sérias, ou taxação pesada, do recurso a offshores.

Nada se ouviu sobre medidas concretas de combate ao planeamento fiscal agressivo, nomeadamente focando as holding tentaculares que pagam quase menos impostos do que eu.

Nada se viu sobre reintroduzir, temporariamente, o imposto sucessório sobre as maiores fortunas.

Também nada de muito concreto se percebe que desonere as PMEs (para além da abolição do pagamento especial por conta) e, sobretudo, os inícios de actividade e a criação de novas empresas: uma área votada ao esquecimento sem que ninguém se queixe, nem mesmo a direita.

Em suma, este PEC sabe a pouco, não se percebe o que dele se possa aproveitar de estímulos à retoma; parece-me assente em poucas coisas meramente conjunturais:
  • Adiamento de grandes projectos e redução dos suportes de retoma - perigoso.
  • Ataque às pensões da classe média - profundamente injusto.
  • Privatização de tudo o que ainda mexa e dê lucro - a via fácil.
Não se sente nisto nada de estrutural que possa ser "herdado" e aproveitado para o futuro do país com benefício do contribuinte a médio prazo. Trata-se de um enorme esforço, pago essencialmente pelos do costume, sem sequer ter o mérito de poder vir a alterar a estrutura redistributiva do país. Vir Sócrates falar de repor a injustiça fiscal com um novo escalão, escamotenado os reais pagadores do PEC, é assistir a um tipo de retórica barata, perfeitamente inadequada.

É um PEC claramente conservador e muito pouco ambicioso, que pode bem vir a ser aquilo que me parece do que se conheceu hoje: uma merda de plano. E ainda por cima, com efeitos de Pirro.

Estou muito desapontado.

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