É uma questão que, notam alguns e bem, seis meses após eleições este governo não dá mostras de saber responder. O executivo de Sócrates e o PS foram forçados, primeiro, a um longo combate de costumes e quezílias persecutórias durante boa parte de 2009, para logo depois de eleições ter de adoptar o programa da oposição, reconhecendo por fim um défice de 9,4%... Há semanas, as condições políticas mudaram de novo, e existe agora uma oposição felizmente renovada e de regresso a propostas e ideias a que contudo o governo ainda se mostra estranhamente surdo. Ao contrário do vetusto e estúpido PSD de Ferreira Leite, o PSD de Passos parece saber perfeitamente que não poupar nas propostas responsáveis é montar o cerco ao governo. Na ressaca de alguns dos escândalos que feriram a carapaça do chefe de governo, o miolo PS, qual burro carregado de porrada, dá ainda mostras de desnorteio e dificuldade de adaptação às novas circunstâncias. O que pensavam, que Sócrates era perfeito?... O que pensam agora, que o podem substituir? A somar aos graves problemas sociais, ao desemprego, aos projectos sem retorno e ao crédito cada vez mais difícil que ameaça fazer regredir a economia novamente, Sócrates vê agora ameaçado de parálise o investimento público em contra-ciclo, a sua arma principal de combate à crise. Da minha modesta perspectiva, este momento é porém mais uma oportunidade para o governo se readaptar e refazer em torno de metas honestas e ainda perfeitamente ao seu alcance; para se concentrar na identificação das verdadeiras prioridades. Provavelmente a última oportunidade para isso, por muito tempo a vir. É só olhar para a Grécia para se perceber que o paradigma do exercício da política e do poder neste país tem de mudar de imediato, tem de mudar profundamente. Olhar a Grécia é olhar um futuro possível - e ainda o mais provável. Continuar a governar por recurso ao crédito seria mais fácil, claro. Mas esse paradigma acabou - talvez para nossa sorte - e a história, de certa forma, parece estar a colocar Sócrates à prova uma vez mais: dá-lhe a sua oportunidade para que nela escreva o seu nome, mas não de barato, nem de qualquer maneira. A suas qualidades enquanto líder e gestor executivo do governo da nação sofrerão a provação duma realidade sem mais folgas para demagogia: será preciso aprender a fazer melhor com muito, muito menos; não será possível manter tudo, e manter o essencial; escolhas difíceis terão de ser encaradas e resolvidas. Ao contrário de constituir uma ameaça, o novo PSD é uma oportunidade para a focalização nesse essencial, uma aberta séria, rara, arrisco dizer "bondosa", de apelo ao fim do desperdício de tempo com manobras de contemporização disfarçada. Resta apenas tempo e espaço para o senso comum, de ambos os lados da bancada política. Aquilo que de melhor posso desejar para Portugal, neste momento, talvez sejam dois partidos que se equilibrem melhor, e se controlem responsavelmente; dois partidos que busquem e aceitem aquilo que de facto é melhor para o nosso país; que concorram pela capacidade de proporcionar um futuro melhor a todos os portugueses, extirpando a corrupção e as redes de interesses obscuros do seu seio. Passos Coelho talvez já tenha percebido isso e parece inclusivé receptivo a preparar-se para o melhor cenário que objectivamente o PS pode desejar para 2013: um governo PS-PSD. Será isso, em 2013, ou um governo maioritário PSD, certamente menos obrigado a concessões à esquerda e mais disposto a experiências que poderão colocar o estado social em risco definitivo em Portugal. Qual será a escolha de Sócrates?
Não sei quantas almas tenho. Cada momento mudei. Continuamente me estranho. Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem,
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo: «Fui eu?»
Deus sabe, porque o escreveu.
Fernando Pessoa
Sem comentários:
Enviar um comentário